quinta-feira, 2 de abril de 2009

CURRÍCULO E MUDANÇA


       Escrevi esse ensaio quando cursei a disciplina Currículo do Mestrado em Educação e Cultura da UDESC/FAED


O mundo atual caracteriza-se por conter em si uma excepcional diversidade de culturas. A tecnologia, a cada dia que passa, aumenta as possibilidades de troca cultural e de conhecimentos. O processo de globalização e o avanço da ciência estão propiciando um novo paradigma de mundo, sociedade e de homem. Criando novas identidades e significações, transcendendo limites culturais e geográficos.
Por outro lado, de forma contraditória, vive-se em um mundo cheio de sofrimento, miséria, guerras. Onde a competitividade aumenta espantosamente. A globalização vem contribuindo para a exploração, onde imperam as leis do livre mercado. Poucos tem muito, muitos tem pouco, numa sociedade capitalista que , estrutura-se em hierarquias, cuja ideologia dominante é a promoção social, com a possibilidade aparente de escalar a pirâmide  até o topo. Uma hierarquia que tende a converter-se  em uma forma pura, aparentemente aberta a todos pelo critério da capacidade individual, mas na realidade oculta a real desigualdade entre os indivíduos. Sendo assim, é construído um indivíduo empreendedor, criativo, produtivo. Enfim, feito para vencer. Estar bem significa estar bem economicamente.
Nesse sentido, cabe aos educadores, a responsabilidade, moral e ética, de questionar sua prática, seu papel em todo esse processo de construção de subjetividades e individualidades. Refletindo sobre que indivíduos querem formar em que tipo de sociedade. Principalmente em nossa sociedade, onde as representações simbólicas e as redes de significados assumem papéis que contribuem e são mantenedores do atual sistema, cujos valores como a ambição, o individualismo, a competitividade, são cada vez mais exacerbados em detrimento da coletividade e solidariedade. Sendo assim, essa reflexão procurará por meio de algumas questões discutir qual o papel do currículo em nossa sociedade.        
Em minha opinião, os indivíduos devem ser compreendidos de uma forma multidimencional (bio-psico e sociocultural), principalmente como ser histórico e cultural. Pois, o conhecimento se afirma como atividade que dá significado às ações do ser no mundo. Desde os primórdios à atualidade, o homem mantém uma relação dialética com a natureza, enfrentando desafios. Tais desafios produzem o relacionamento do indivíduo com o seu semelhante e, nesse processo, o conhecimento de si mesmo, do outro e do meio que o cerca. Deve-se perceber as relações que envolvem tanto o político, como o social e o educativo, que fazem parte de uma série de padrões explícitos e implícitos de comportamento adquiridos e transmitidos por símbolos, que constituem as realizações distintivas dos grupos humanos, inclusive suas incorporações em artefatos, onde o núcleo essencial da cultura consiste nas idéias tradicionais      (isto é , recebidas e selecionadas historicamente) e especialmente nos valores que se lhes atribuem, por outro lado, os sistemas de cultura podem ser considerados como produtos de ação e também como elementos condicionantes.
Desta forma, percebo a importância do currículo em todo esse processo. De acordo com Da Silva:
           
O currículo é o espaço onde se concentram e se desdobram as lutas em torno dos diferentes significados sobre o social e sobre o político. É através do currículo, concebido como elemento discursivo da política educacional, que os diferentes grupos sociais, especialmente os dominantes , expressa sua visão de mundo, seu projeto social, sua “verdade” (texto)

 Sendo assim, se estivermos insatisfeitos com a atual situação social, de uma sociedade cheia de contradições, diferenças sociais, miséria , dentre outros fatores que vão de encontro à dignidade humana, como educadores, devemos ter uma concepção de currículo e teoria curricular que possa definitivamente satisfazer nosso anseio  de uma perspectiva de mudança e transformação. A importância de uma visão de currículo deve-se ao fato que existem diversas formas de concepção de currículo que, de uma forma ou de outra, irão nortear nossa prática pedagógica na formação de subjetividades e de individualidades. Dentro das diferentes visões de currículo (tradicional humanista, tecnicista,crítica neomarxista),  Tomás Tadeu da Silva retoma e reformula algumas das análises da tradição crítica neomarxista, enfatizando o currículo como prática cultural e como prática de significação.
 Nesse enfoque, podemos então, ter uma melhor compreensão de currículo e sua relação com a realidade social e, ainda nesse sentido, Moreira e Da Silva acrescentam:

              “O currículo é considerado um artefato social e cultural. Isso significa que ele é colocado na moldura mais ampla de suas determinações sociais, de sua história, de uma produção contextual. O currículo não é um elemento inocente e neutro de transmissão desinteressada do conhecimento social. O currículo está implicado em relações de poder, o currículo transmite visões sociais particulares e interessadas, o currículo produz identidades individuais e sociais particulares. O currículo não é um elemento transcendente e atemporal – ele tem uma história, vinculada a formas específicas e contingentes de organização da sociedade e da educação.” (1995,pg 07)

Quando o currículo passa a criar significados e sentidos lacunares, conjunto de idéias e concepções sem fundamento, ou seja, uma mera análise ou discussão oca de idéias abstratas que não correspondem a fatos reais, ele assume um caráter  ideológico. Entendo por ideologia um conjunto lógico, sistemático e coerente de representações (idéias e significações) e de normas ou regras (de conduta) que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar e como devem pensar, o que devem valorizar e como devem valorizar o que devem sentir e como devem sentir, o que devem fazer e como devem fazer, onde os sentidos e os significados se encontram prontos e acabados, fechados em si mesmos. É , portanto, um corpo explicativo (representações e significações) e prático (normas, regras, preceitos) que assumem um sentido prescritivo, normativo, regulador, controlador, coercivo, cuja função é dar aos membros da sociedade, dividida em classes, uma explicação coerente, racional, falaz, para as diferenças sociais, políticas e culturais, sem jamais atribuir tais diferenças à divisão da sociedade em classe, a partir das divisões de papéis dos indivíduos na esfera da produção. Onde, de acordo com Da Silva, surge a produção dualista:

De um lado, a formação do sujeito otimizador do mercado, do indivíduo triunfante a predador da nova “ordem” mundial. De outro, a produção da grande massa que vai sofrer o presente em desespero e contemplar sem esperança o futuro.”  (texto)

empregos de baixa renda, no trabalho braçal, ou mesmo se transformando em números estatísticos nas pesquisas sobre desemprego.  Percebe-se, então, a estreita relação de ideologia com a visão tradicional de currículo. Que se baseia numa visão conservadora de cultura (fixa, herdada, imutável), tanto ao nível de conhecimento, como também no que se refere ao social e educacional. Nesse sentido, Apple fala de como o currículo serve a uma determinada classe:

“Vamos examinar algumas proposições gerais, que parecem ter alguma confirmação empírica, sobre o que as escolas parecem fazer como instituições imersas na sociedade. As escolas parecem fazer uma série de coisas.Elas são órgãos reprodutivos na medida em que elas ajudam a selecionar e a titular a força de trabalho. Nesse ponto os teóricos da reprodução não estão errados. Mas as  escolas fazem mais que isso. Elas ajudam a manter o privilégio por meios culturais, ao tomar a forma e o conteúdo da cultura e do conhecimento dos grupos poderosos e defini-los como um conhecimento legítimo a ser preservado e transmitido(...)As escolas, portanto, são também agentes no processo de criação e recriação de uma cultura dominante eficaz. Elas ensinam normas, valores, disposições e uma cultura, que contribuem para a hegemonia ideológica dos grupos dominantes.” (1985,pg.59)

Nesse sentido, a educação passa a ser o mais importante meio, pelo qual a classe que detém o poder            , dissimila, introjeta, suas idéias sobre o mundo social, perpetuando, assim, a reprodução de todo arcabouço ideológico existente. Estas idéias passam à serem transmitidos na escola. As crianças começam a receber significados , sentidos, de acordo com a classe social a que pertencem. Poucos são formados para dominarem. Muitos , para serem dominados. Percebo isso não só nas escolas particulares, para um grupo  “favorecido por Deus”, em relação as escolas públicas, “para os menos favorecidos”, onde certos jargões como: “todos tem direito a educação”,
“a vida é assim mesmo”, procuram apaziguar possíveis insatisfeitos com a consciência de “rebanho”. Mais também, não posso deixar de perceber a importância das matérias escolares assumem como mecanismos pelos quais essas visões de mundo, de sociedade e de homem, são transmitidas. Identifico isso, principalmente na minha formação escolar, no ensino médio, que melhor me recordo, e percebo a origem de certas limitações que tenho, de sentidos e significações do que me parecia ser a realidade. É nesse sentido, que as matérias escolares contribuem, de forma mais ou menos sutil, para perpetuar o sistema.
            Dentro, da minha formação acadêmica, percebo as estratégias e manobras que visam á coisificação do professor, que são minuciosamente e rigidamente calculadas. Há um jogo de forças e poder que impedem a sindicalização, pois sem união de classe, não há contestação. A nível estrutural, fragmenta-se e segmenta-se o conhecimento proposto pelas escolas (superespecialização dividem , estraçalham). No aspecto intelectual, criam-se barreiras contra a atualização do professor, assim, quanto menor for seu esclarecimento, maior será sua alienação. Ideologicamente, é disseminado uma  só visão de mundo (os livros mostram um Brasil sem problemas, sem conflitos sociais, idealizando um Brasil distante da realidade). Ainda, abaixa-se o salário, que já é “de fome”, a fim de automatizar o trabalho (mais aulas para sobreviver, pouco tempo, ou quase nada, para refletir sobre sua prática, ou mesmo pesquisar com o intuito de mudança, resultado: alienação e reprodução). Dentro destas perspectivas, esses condicionantes nada mais visam do que a manutenção do status quo. E, com atual crise econômica que assola o país, a desvalorização do Real, a privatização, a riqueza nas mãos de uma minoria, com a fome matando muita gente ,etc.. Só reforçam a importância de revermos os valores, sentidos e significados que estamos construindo.
            Nesse sentido, percebe-se, o quanto é importante à discussão sobre currículo, dentro de uma perspectiva crítica, para melhor compreender e refletir sobre os processos pelos quais se realizam às práticas de significação dentro das relações sociais, que também são relações de poder. Compreendendo melhor como o conhecimento e uma parte delimitada da cultura, são transfigurados em currículo escolar.
            Se quisermos verdadeiramente uma sociedade mais justa, mais humana, democrática, onde o social, o político e o educacional, possam adquiri outros valores, sentidos e significados, cabe a nós educadores, se empenhar nessa luta para que ocorra uma mudança social. Mas essa mudança de valores deve-se iniciar primeiro com o próprio educador. Ele deve se definir na sua relação com a totalidade social. Para que possa crescer como indivíduo, precisa do outro. Assim, a educação é um processo coletivo. Como podemos lutar por mudança se somos dominados pela ideologia capitalista? Submetemo-nos apenas a ser bons consumidores. Adquirimos jeans, coca-cola, macdonald, na maior tranqüilidade. Sonhamos com carros importados, vídeos e filmadoras. Vivemos totalmente atrelados ás máscaras da hipocrisia social. Nossas metas se resumem à busca do destaque frente aos outros consumidores, na medida em que podemos comprar mais. Convencemo-nos de que as nossas necessidades básicas se resumem em possuir uma certa quantidade de bens, pois desta maneira teremos mais conforto e seremos mais felizes. Passamos, nessa perspectiva, a viver sob um padrão ou significados únicos de pensar e agir: o consumo e o mercado. Desenvolvemos, então , uma sociedade altamente sofisticada para uns poucos. Claro que não devemos de deixar apreciar os benefícios da tecnologia que nos facilita a vida. Se estivermos satisfeitos a ponto de sentirmos felizes com as mercadorias e os serviços que existem, por que deveríamos nos empenhar numa luta por uma transformação social? 

  
Bibliografia

Texto inédito, de um livro que ainda não foi lançado. Currículo Como Prática de Significação de Tomás Tadeu da Silva.
APPLE, Michael W. Educação e Poder. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.
SILVA, Tomaz Tadeu da, MOREIRA, Antonio Flávio (Org.). Currículo, Cultura e Sociedade. São Paulo: Cortez, 1995.

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