ZEN BUDISMO E SÃO JOÃO DA CRUZ - NOITE ESCURA DA ALMA
(ALBERT LOW – A PRÁTICA DO ZEN E O CONHECIMENTO DE SI MESMO)
TEXTO II
ORGULHO
A
primeira barreira à união de que trata São João é o orgulho. O orgulho não é
apenas uma barreira que bloqueia todos nós de um modo ou de outro; de todos os
pecados, ele é o mais difícil de ultrapassar e o mais persistente. Mesmo depois
de um profundo Kensho, ele ainda pode ser um problema, que fica óbvio,
por exemplo, quando se lê Hakuin. Hakuin lutou heroicamente durante um longo
período e finalmente alcançou a verdade. Ele disse: “Foi como se um pedaço de
gelo fosse esmagado ou se uma torre de jade caísse com estrondo.” Todas as suas
antigas dúvidas desapareceram como se o gelo tivesse derretido. Então, ele
disse: “Meu orgulho elevou-se como uma montanha majestosa, minha arrogância
subiu como a maré.”
No entanto, o nosso orgulho nem sempre
é tão ruidoso e óbvio. São João aponta para o fato de que ele frequentemente
pode ser uma espécie de orgulho secreto que surge no coração de uma pessoa, e
por causa disso fica satisfeita consigo e com sua prática. Esse tipo de
orgulho é mais ou menos insuperável porque, em geral, impede as pessoas até
mesmo de fazer parte de um grupo, o que não dizer de visitar um mestre. Como
diz São João, “Elas se sentem compelidas
a conversar com outras pessoas a respeito das coisas espirituais o tempo todo e
até mesmo a passar seu tempo ensinando os outros, em vez de aprender por si
mesmas”, mas raramente têm a coragem de fazer a um mestre uma pergunta
verdadeira ou de expor-se de algum modo. Nas poucas ocasiões em que fazem isso,
não escutam a resposta; mas, enquanto ela está sendo dada, olham pelo canto do
olho esperando a oportunidade para fazer alguma objeção, ou ridicularizar de
algum modo a resposta, ou emitir algum outro sinal de sua insatisfação e
desprezo.
São João aponta para o fato de alguns
discípulos estarem tão ansiosos para serem elogiados e estimados em tudo o que
fazem que, se o mestre não aprovar o que estão fazendo, consideram-no fraco,
com compreensão ou espiritualidade insuficiente. Então, eles imediatamente
procuram outra pessoa que combine com suas preferências. Querem apenas estar
com pessoas que os estimem e os elogiem, e fogem, como da morte, daqueles que
tentam corrigi-los e leva-los para um caminho seguro, chegando até mesmo a
alimentar o desejo de que algum mal lhes aconteça. Esse tipo de pessoa está
cheio de resoluções a respeito do que deve realizar, mas de fato não faz muita
coisa que valha a pena. Seria de muito mais valia, diz São João, se essa pessoa
sentisse que o mestre e os outros não se importam com ela.
Ele diz, que, às vezes, o orgulho pode
levar algumas pessoas a trabalharem mais que as outras e a sentir que são as
únicas realmente virtuosas. Para convencer as outras de que são muito espiritualizadas,
representam um papel, praticam com diligência quando percebem que estão sendo
observadas e fazem tudo o que podem para ser notadas. Elas aproveitam cada
oportunidade para caluniar as outras, “observando o cisco no olho do irmão e
ignorando a trave no seu próprio olho, arrancando o mosquito do outro enquanto
elas próprias engolem um camelo”. Elas sempre desprezam o outro, criticando sua
prática porque ela não está de acordo com suas próprias ideias a respeito do
que se deve fazer, e por isso assemelham-se ao fariseu que se vangloria de si
próprio, louvando a Deus por suas boas ações e desprezando o publicano.
O orgulho pode fazer que algumas
pessoas, por um lado, ignorem suas faltas como algo sem consequência e, por
outro, paradoxalmente, fiquem muito desconsoladas ao perceber que são de fato
punidas com falhas e dificuldades porque acreditavam que já estavam acima desse
nível de problemas. Assim, elas geralmente ficam muito impacientes, até mesmo
zangadas, consigo mesmas e com suas imperfeições. Como tem tanta pressa de chegar
aonde não estão, nunca realmente sabem onde estão. Elas não tem chão firme para
pisar, nenhum contato consigo mesmas; portanto sua prática é uma espécie de
sonho dentro do sonho.