ZEN BUDISMO E SÃO JOÃO DA CRUZ - NOITE ESCURA DA ALMA
(ALBERT LOW – A PRÁTICA DO ZEN E O CONHECIMENTO DE SI MESMO)
TEXTO III
RAIVA E GULA ESPIRITUAL
RAIVA
São João diz que o segundo maior erro
normalmente acompanha a nossa prática é a raiva, o furor. Algumas pessoas podem
dirigir essa raiva para a própria prática e para qualquer pessoa associada com
ela. Como elas praticam para ter algumas sensações ou experiências agradáveis,
muitas ficam amargas quando o deleite nas coisas espirituais chega ao fim, e
suportam a falta de doçura que têm de suportar com uma má vontade que afeta
tudo o que fazem. Elas ficam irritadas com as menores coisas, a ponto de
ninguém poder tolerá-las. Outro alvo dessa irritabilidade é a realização das
outras pessoas; elas ficam vigiando o outro com uma espécie de zelo ansioso, às
vezes sentindo-se obrigadas a corrigi-lo com raiva e colocar-se como as mestras
do zelo.
Se essa raiva não foi dirigida ao
outro, geralmente será dirigida para elas próprias, quando perceberem suas
imperfeições. Geralmente impacientam-se tanto consigo mesmas que podem ser “santas
de um dia’. Tomam grandes decisões em relação ao que pretendem realizar. No entanto,
tem pouca humildade e nenhum receio em relação a si próprias. Quando mais tomam
decisões, maior a sua queda e maior o seu aborrecimento porque, nas palavras de
São João, “elas devem ter paciência para esperar pelo que Deus lhes dará quando
Lhe prouver”. Como dizia um mestre Zen: “Não faço nada o dia todo, mas não
deixo nada sem fazer.” Isso é trabalho feito com toda a humildade, permitindo
que cada momento revele a sua necessidade, e é bem o oposto do trabalho feito
forçada e esforçadamente, usando a energia do desejo e a agressão como forças
motivadoras.
GULA ESPIRITUAL
Outro problema é a gula espiritual, da
qual sofrem muitos iniciantes. Nos primeiros estágios da prática, a pessoa é assaltada
por uma espécie de doçura. Alguns podem ficar muito apegados a essa sensação e,
por isso, não procuram pureza espiritual e discrição. Como consequência, elas
muitas vezes chegam a extremos, ultrapassando os limites da moderação pelos
quais as virtudes dão adquiridas e em que elas consistem. Algumas pessoas, atraídas
pelo prazer que encontram nisso, castigam-se com penitências, enquanto outras
se enfraquecem com jejuns mais longos do que sua fragilidade aguenta. Essas
pessoas são as mais imperfeitas e desarrazoadas porque estabelecem castigos
físicos em vez de sujeitar-se à razão e à discrição, que é um sacrifício mais
aceitável e agradável para Deus. Como diz São João: “Todos os extremos são
viciosos e, ao comportar-se assim, as pessoas estão operando a própria vontade;
elas crescem no vício, e não na virtude, porque estão desenvolvendo gula
espiritual e orgulho ao trabalhar dessa maneira.”
A penitência aumenta o sentimento de
que se está no controle, de ser aquele que faz as coisas. Essa sensação de
estar no controle é muito agradável, mas, ao mesmo tempo, é precisamente ela
que constitui o maior bloqueio e que tem de se abandonada na prática.
Para continuar com a sensação de que
estão no controle, as pessoas mudam ou variam o que lhes foi proposto como
prática ou acrescentam-lhe alguma coisa. Qualquer obediência é para elas tão amarga
que algumas abandonam inteiramente a prática porque recebem a incumbência dessa
prática e não de outra, enquanto o seu único prazer e desejo é faze aquilo que
se sentem inclinadas a fazer. São João continua dizendo: “Essas pessoas
insistem muito para que o mestre lhes conceda o que querem, extraindo isso quase
à força; e se lhes for recusado, elas ficarão tão impertinentes como crianças
pequenas.”
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